Mulher sofre ataques e revela recuperação dolorosa após caso envolvendo morador de rua

JOÃO GABRIEL E RAQUEL LOPES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Aos 14 anos, Sandra Mara Fernandes começou a trabalhar numa lavoura de café em Minas Gerais, estado em que nasceu. Aos 18, se mudou para o Distrito Federal. Foi empregada doméstica, manicure, e recepcionista, até conseguir abrir uma loja de roupas.

Desde março, sua vida tornou-se pública. Sandra, 34, virou notícia por ter tido relação sexual com um morador em situação de rua –Givaldo Alves de Souza, 31– dentro de um carro, na cidade de Planaltina (Distrito Federal).
Com isso, passou a sofrer ataques nas redes sociais e em aplicativos de conversa. Recebe com frequência mensagens com xingamentos e insultos de cunho sexual, entre outras ofensas que classifica como humilhantes. Já bloqueou mais de 80 contatos no seu celular pessoal.

Precisou vender sua loja e mudar-se de cidade. O marido, o personal trainer Eduardo Alves, também é alvo de ataques em suas redes sociais de uso profissional. Na Justiça, a empreendedora obteve uma liminar proibindo Gilvado de falar publicamente sobre ela.

“Ele me expôs como mulher, como ser humano, ele me atacou de todas as maneiras possíveis, então, ele acabou ali com a minha moral. Criaram perfis falsos em meu nome usando as minhas fotos. A população acreditou que tudo aquilo que ele falou era verdade”, disse Sandra à Folha.

Acompanhada de Eduardo e de sua advogada, ela conversou com a reportagem por mais de uma hora no último sábado (30). Procurado, Givaldo não respondeu aos questionamentos.

“Vivemos numa sociedade machista e por isso tenho sofrido ataques. O que mais me dói nesses ataques é quando eu sou atacada por outras mulheres. Porque vir de outra mulher é muito sofrido”, diz.

Em tratamento psiquiátrico, Sandra conta que evita sair à rua. Em uma ocasião, segundo ela, estava com a filha e o marido em uma praça e ouviu um grupo de jovens gritar o nome de Givaldo em sua direção.

Ela demonstra ter forte ligação com a religião e se converteu evangélica quatro dias antes do episódio que mudaria sua vida.

À Folha, ela descreveu com detalhes o que se passou naquele dia. Era período da tarde e Sandra estava com a sogra e a filha na rua quando uma pessoa apareceu querendo ver a Bíblia que ela lia.

No que mais tarde foi diagnosticado como um surto psicótico, fruto de um transtorno bipolar ainda por ela desconhecido, Sandra narra ter visto naquele homem à sua frente a representação de Deus e também de seu marido.

Já sem a companhia da filha e da sogra, voltou a encontrar o homem momentos depois. Os dois conversaram e foram de carro até uma área deserta. Lá ocorreu o ato sexual.

Na sua cabeça, afirma Sandra, havia um propósito naquilo tudo: realizar o desejo do marido, da sogra e o seu próprio de mudar de vida financeiramente.

Ela imaginava que consumar o ato sexual com quem enxergava ser a figura de Deus e do marido poderia concretizar o sonho da família de ter uma vida melhor. Na alucinação, relata, isso a levaria a ganhar na Mega-Sena. O jogo naquele momento pagava mais de 100 milhões ao vencedor, dos quais 10 milhões ela afirma que iria doar para a sua igreja.

Eduardo encontrou os dois no carro e agrediu o homem. Uma câmera de segurança registrou o episódio, que virou uma ocorrência policial. Sandra foi levada ao hospital ainda atônita, sem entender o que aconteceu. Ela assinou um documento que tratava do caso como abuso sexual.

Depois de medicada, foi levada para casa, onde teve mais dois surtos. Em um, conta ela, achava que seu pai, a madrasta e o sobrinho eram Satanás. Segundo ela, precisou ser levada amarrada para um hospital, onde foi internada para tratamento psiquiátrico.

O nome de Givaldo, de acordo com a empreendedora, só foi saber 15 dias depois. Aí, conta, finalmente se deu conta de que ele não se tratava de uma “divindade”.

“Comecei a ter crises de ansiedade e tiveram que reforçar um medicamento. Comecei a dormir mais do que ficar acordada. Como mulher, comecei a sentir nojo de mim. Tive uma crise em que me perfurei 28 vezes com uma caneta no punho esquerdo, por não aceitar aquilo. Eu não queria aceitar que aquilo tinha acontecido realmente”, afirma.

Após um mês, Sandra teve alta. Ainda era cercada de cuidados: se isolou de notícias sobre o caso, que àquela altura já havia ganhado repercussão nacional, após uma série de entrevistas concedidas por Givaldo.

Na internet, ainda circularam supostas fotos dela internada no hospital durante o choque.

Sandra precisou contratar uma equipe para cuidar de suas redes sociais –ela agora quer usar o dinheiro da venda da loja para abrir um comércio de roupas online. A empreendedora teme que voltar a lidar com o mundo virtual das redes acione um novo gatilho, desencadeando uma nova crise psicótica.

Ela afirma que nunca mais se encontrou com a sogra, pois ainda não está preparada para vê-la.

Atualmente, Givaldo vive no Rio de Janeiro. Desde que o caso eclodiu, ele apareceu em diversos programas de televisão e jornais. Passou a ser agenciado por um empresário, Diego Aguiar, conhecido por intermediar negociações de bitcoins.

Aguiar chegou a propor, por meio de suas redes sociais, que o caso –que corre em segredo de Justiça– seja resolvido em uma luta entre Givaldo e Eduardo: ofereceu R$ 5 milhões ao vencedor. A Folha tentou localizar o empresário, mas não conseguiu contato até a publicação deste texto.

Sandra diz que, até o episódio, não sabia que era bipolar. Achava que seus picos de euforia e tristeza aconteciam em razão da depressão, diagnosticada após a morte da mãe.

“É uma doença grave, né? Para mim, é tudo muito novo. Hoje sei que tudo aquilo que passei era por conta de uma doença que eu já carregava. Olhando para trás, tenho consciência que episódios que eu tive faziam parte da doença que eu já tinha e não sabia”, afirma.
Agora, Sandra diz que se afastou da igreja, mas não perdeu a fé.

“Estou afastada da igreja por meus familiares acreditarem que o meu surto tem a ver com a religião. Por enquanto, estou lendo a Bíblia e tenho minha fé mais ainda, mas ainda não me sinto preparada para voltar para igreja, nem católica nem evangélica”, diz.

“Não estou preparada para continuar em uma religião. Não sei como vai ser futuramente, mas por enquanto a única certeza é que não preciso me colocar dentro de uma igreja para que minha fé em Deus se mantenha”, afirma.

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