Viúvas da tragédia da Chape apontam corretor do seguro como principal responsável

ALEX SABINO E JOÃO GABRIEL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mara Paiva afirma ter lutado durante muito tempo para tirar um pensamento da sua cabeça: como foram os últimos minutos de vida do seu marido, o ex-jogador e comentarista Mario Sergio?

Com o tempo, ela aprendeu a focar os erros e omissões que levaram ao acidente aéreo que tirou a vida do seu marido e as de outras 70 pessoas. E a buscar justiça.
“Como aquilo aconteceu? Como ele viveu seus últimos momentos? Isso foi uma coisa que fez com que a minha família sofresse muito. Eu sofri muito. Imagina o sofrimento das pessoas dentro daquele avião sabendo que ia cair”, afirma ela.

Quase cinco anos depois da queda do voo 2933 da LaMia, que levava a equipe da Chapecoense, a comissão técnica e jornalistas para a final da Copa Sul-Americana de 2016, Fabiene Belle e Mara, respectivamente presidente e vice da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C) reconhecem existirem diferentes culpados.

A aeronave não caiu nos arredores de Medellín, na Colômbia, na madrugada de 28 de novembro daquele ano, por um erro individual. Mas elas não vacilam em apontar o dedo a quem acreditam ser o maior responsável.

“Se o Simon Kaye não fosse tão flexível em oferecer oportunidades para a LaMia voar, esse avião não sairia do chão. A LaMia era uma companhia capenga, e a Aon fez uma corretagem capenga. Uma apólice de US$ 25 milhões (R$ 134 milhões pela cotação atual) para carregar uma equipe de futebol e que tinha uma cláusula de exclusão territorial que invalidava o seguro?”, reclama Fabienne, viúva de Cesinha, fisiologista da Chapecoense.

Kaye foi o responsável pela apólice da corretora Aon no seguro da aeronave. Para as famílias, esse foi principal fator para a tragédia e se transformou na maior briga judicial.

O seguro do avião era da Bisa, empresa que, pouco antes do acidente, informara as autoridades bolivianas de que a LaMia não poderia mais voar por estar atrasada com o pagamento da apólice. A corretora era a Aon e a resseguradora (responsável, no fim, pelo pagamento, porque a Bisa não teria capital para isso) era a Tokio Marine Kiln.

Na época, o seguro era de US$ 300 milhões (R$ 1,6 bilhão pelos valores de hoje). Para manter a LaMia como cliente e evitar que ela procurasse outra corretora, a Aon, por meio de Kaye, enviou duas propostas de uma nova apólice: uma de US$ 50 milhões (R$ 268 milhões) e outra de US$ 25 milhões (R$ 134 milhões). A última foi escolhida por Loredana Albacete, filha de Ricardo Albacete, dono da aeronave.

O argumento de advogados de famílias de vítimas envolvidos na causa é que, a partir do momento em que a LaMia começou a transportar equipes de futebol, o seguro não poderia ter o valor reduzido, mas sim aumentado.

Sem um seguro válido e em vigência, a companhia aérea boliviana não poderia decolar.

A reportagem entrou em contato com a Aon para questionar a atuação de Kaye no caso. A empresa respondeu ser “decisão do cliente decidir quais coberturas e limites ele optará por adquirir” (leia a nota na íntegra abaixo).
“Os passageiros não tinham noção do que estava acontecendo. Eles não sabiam se o seguro estava em ordem. Isso era obrigação das agências controladoras no Brasil, na Colômbia e na Bolívia”, completa Mara.

“A ponta principal é quem permitiu que esse seguro existisse”, concorda Fabienne.
Após o acidente, a Bisa fechou seu escritório no Brasil. A Aon acredita que, como corretora, não é sua atribuição pagar a apólice. A Tokio Marine Kiln argumenta que, como a LaMia voou para a Colômbia, um dos locais não cobertos pelo seguro, o documento se tornou inválido. A multinacional, que tem contratos com estatais brasileiras, instituiu o que chamou de “fundo humanitário”.

Os familiares de vítimas que aderem ao programa recebem cerca de US$ 200 mil (cerca de R$ 1 milhão), mas abrem mão de todos os processos referentes ao seguro.

Há processos na Colômbia, na Bolívia, no Brasil e nos Estados Unidos. Neste, juiz da Flórida estipulou o valor da causa em US$ 844 milhões (R$ 4,5 bilhões).

Fabienne, Mara e a Associação, nos últimos anos, recolheram documentos e depoimentos para reconstruir a história do voo e dos motivos que levaram à tragédia. Descobriram que os pilotos Marco Rocha Venegas e Miguel Alejandro Quiroga não recebiam salários. Eles só ganhavam quando viajavam. Isso explica, em parte, a máxima economia possível a cada voo.

Quiroga morreu no acidente. Rocha vive na Flórida, está proibido de pilotar e sobrevive pintando casas e vendendo empanadas.

A viagem da Chapecoense partiu com a quantidade exata de combustível, o que vai contra as normas da aviação.
“Eu me encontrei com [Ricardo] Albacete no Brasil e nos Estados Unidos. A história da LaMia é muito obscura. Por ver a oportunidade de ter seus direitos reconhecidos, o direito securitário, ele nos ofereceu toda a negociação do seguro, toda a história da formação da LaMia. Temos um número de folhas de documentos absurdo”, diz Fabienne.

A documentação serviu como parte da munição da CPI da Chapecoense, que foi interrompida por causa da pandemia e deverá ser retomada no final deste ano. Albacete, um ex-senador venezuelano amigo dos ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro, vive na Espanha.

Em seu depoimento na CPI, ele irritou os parlamentares brasileiros com respostas evasivas. Loredana, sua filha que negociou o seguro com a Aon, não tem sido encontrada.

“Eles [os pilotos] mostraram quem eram quando disseram que voariam custasse o que custasse. A indenização é uma consequência. Nunca foi o objetivo principal. Não é porque estamos falando de empresas poderosas que não vamos mostrar o que aconteceu”, constata Fabienne.

Ela, assim como Mara, teve de aprender a lidar com o luto.
“A forma como aconteceu nos deixou uma marca muito profunda. Tem a questão da má prática, da injustiça. A morte violenta marca muito. Além de ter o luto, você tem aquela dor de se colocar no lugar do outro até para elaborar esse luto”, analisa a viúva de Mario Sergio, comentarista da Fox Sports que, segundo ela, nem deveria estar naquele avião.

Elas definem tudo isso como uma busca por dignidade.
“Foram essas empresas que provocaram a minha viuvez, a morte do pai dos meus filhos. Tudo isso deve ser colocado em pratos limpos. Um empregado de uma corretora fez um seguro que possibilitou à LaMia sair do solo. Isso precisa ser esclarecido”, finaliza Mara Paiva.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, a Aon afirma o seguinte:

“Expressamos nossa solidariedade a todos os atingidos por esse trágico evento. Como corretora, o papel da Aon é ajudar seus clientes a contratar seguro e resseguro junto a seguradoras e resseguradoras, que por sua vez decidem sobre o pagamento de indenizações. É decisão do cliente decidir quais coberturas e limites ele optará por adquirir. Por isso, neste caso, a Aon seguiu as instruções recebidas do cliente e cumpriu seus deveres e obrigações contratuais”.

Notícias ao Minuto Brasil – Esporte
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